sexta-feira, 3 de junho de 2011

Células-tronco reprogramáveis


                                                                                                             
            Não se pode dizer que a pesquisa científica seja algo despropositado, evidentemente. Mas acreditar que o bom senso dirija os rumos da ciência é um equívoco elementar, ainda que bastante disseminado.
            A propósito de discussões recentes sobre células-tronco, quando interpretações anacrônicas por parte do Supremo Tribunal Federal, STF, e pressões da igreja católica, quase levaram à paralisação das pesquisas, essa situação foi mais uma vez evidenciada.
            Padres que entendem de rezar missas, mas não são afeitos à ciência (do mesmo modo como advogados floreiam palavras, mas igualmente desconhecem a pesquisa científica) argumentaram mais de uma vez que deveríamos (a sociedade, representada pela comunidade científica) optar por células-tronco reprogramas, em lugar de células embrionárias. CONTINUAR LENDO
            Essa opção, por parte de religiosos e advogados de uma pretensa boa ordem, evitaria as dificuldades de se manipular células embrionárias.
            Solução prática, simples e lógica, no contexto de uma lógica fácil.
            Mas que poderia não funcionar, segundo argumentos lastreados numa lógica de complexidade.
            Pois bem. No início da semana informações divulgadas pela revista científica Nature mostraram que as células tronco reprogramadas, ou iPS, podem ser rejeitadas pelo organismo de um paciente, embora tenha sido extraídas dele mesmo.
            O paciente, neste caso, são camundongos de laboratório.
            A reação surpreendeu os pesquisadores. Mas surpresas são ocorrências mais que frequentes em pesquisa científica.
            Na verdade, surpresas e descobertas surpreendentes, são algo que ocorrem no cotidiano da vida. O problema é que talvez estejamos ocupados demais para nos darmos conta, e a consequencia disso é que simplesmente damos as costas e tocamos a vida.
            Na ciência, no entanto, o questionamento sistemático faz com que isso não seja ignorado.
            Desde o início, pesquisadores da área de genética envolvido com possíveis terapias com células-tronco (essa técnica ainda não deu resultados, apesar de tudo que se tem falado neste sentido) defendem trabalhos tanto com células adultas, capazes de serem reprogramadas, como células embrionárias.
            Não deixa de ser um comportamento sensato, é preciso reconhecer.
 Mas trata-se de uma sensatez baseada na complexidade e não na linearidade elementar.
            Se um dia as células-tronco se mostrarem eficientes no tratamento de uma série de problemas que afligem milhões de pessoas em todo o mundo, mesmo os críticos ortodoxos dela acabarão mudando de posição.
Muitos deles poderão inclusive ser beneficiários diretos dessa nova estratégia terapêutica.
            Com isso, o que hoje cheira a abuso e desrespeito, será compreendido de outra maneira e resistências ficarão no passado, como peças de museus.
            Abordagens como a das células tronco embrionárias, evidentemente, não são questões desprovidas de preocupações éticas.
            A geneticista brasileira Lygia Pereira tem uma expressão bem apropriada para essa condição: trata-se de uma questão “suportável”.
            O que não é uma condição específica da genética.
            Evocar argumentos fundamentalistas, no entanto, como ocorreu recentemente no caso das células-tronco é buscar na ciência um bom senso que ela simplesmente não existe

Ulisses Capozzoli

Fonte: www.sciam.com.br

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