Juan Ignacio Pozo
Vivemos em uma sociedade da aprendizagem, na qual aprender
constitui uma exigência social crescente que conduz a um paradoxo: cada vez se
aprende mais e cada vez se fracassa mais na tentativa de aprender.
Nossa sociedade vive momentos paradoxais do ponto de vista da
aprendizagem. Por um lado, há cada vez mais pessoas com dificuldades para
aprender aquilo que a sociedade exige delas, o que, em termos educacionais,
costuma ser interpretado como um crescente fracasso escolar. Que professor,
aluno ou simplesmente pai ou mãe nunca disse ou ouviu dizer que os alunos sabem
cada vez menos, que estão menos preparados? Quem nunca se deparou com
estatísticas preocupantes sobre os baixos índices de leitura e de aprendizagem
dos alunos? Contudo, ao mesmo tempo em que esse fracasso escolar cresce
assustadoramente, também podemos afirmar que o tempo dedicado a aprender
estende-se e prolonga-se cada vez mais na história pessoal e social, ampliando
a educação obrigatória, impondo uma aprendizagem ao longo de toda a vida e,
inclusive, levando a que muitos espaços de ócio sejam dedicados a organizar
sistemas de aprendizagem informal.
Nunca houve tantas pessoas aprendendo tantas coisas ao mesmo tempo
como em nossa sociedade atual. De fato, podemos concebê-la como uma sociedade
da aprendizagem (Pozo, 2002), uma sociedade na qual aprender constitui não
apenas uma exigência social crescente – que conduz ao seguinte paradoxo: cada vez
se aprende mais e cada vez se fracassa mais na tentativa de aprender –, como
também uma via indispensável para o desenvolvimento pessoal, cultural e mesmo
econômico dos cidadãos. Além disso, essas demandas crescentes de aprendizagem
produzem-se no contexto de uma suposta sociedade do conhecimento, que não
apenas exige que mais pessoas aprendam cada vez mais coisas, mas que as
aprendam de outra maneira, no âmbito de uma nova cultura da aprendizagem, de
uma nova forma de conceber e gerir o conhecimento, seja da perspectiva
cognitiva ou social.
A nova
cultura da aprendizagem: da informação ao conhecimento
Neste artigo, procurarei caracterizar brevemente essa nova cultura
da aprendizagem (versões mais extensas podem ser encontradas em Pozo, 2002 ou
em Monereo e Pozo, 2001), pois estou convencido de que conhecer as
características que definem essas novas formas de aprender é não apenas um
requisito para podermos adaptar-nos a elas, criando novos espaços instrucionais
que respondam a essas demandas, como também uma exigência para podermos
desenvolvêlas, aprofundá-las e, em última análise, através delas, ajudar a
transformar essa sociedade do conhecimento, da qual supostamente fazemos parte.
Se realmente acreditamos que é possível um outro mundo – e temos de acreditar
nisso para desejá-lo – é preciso investir no conhecimento e, seguramente, na
aprendizagem.
Enquanto a imprensa tornou possíveis novas formas de ler, as
quais, sem dúvida, mudaram a cultura da aprendizagem (Olson, 1994; Pozo, 2001),
as tecnologias da informação estão criando novas formas de distribuir
socialmente o conhecimento, que estamos apenas começando a vislumbrar, mas que,
seguramente, tornam necessárias novas formas de alfabetização (literária,
gráfica, informática, científica, etc.) (Pozo, 2001). Elas estão criando uma
nova cultura da aprendizagem, que a escola não pode – ou pelo menos não deve –
ignorar. A informatização do conhecimento tornou muito mais acessíveis todos os
saberes ao tornar mais horizontais e menos seletivos a produção e o acesso ao
conhecimento. Hoje, qualquer pessoa informaticamente alfabetizada pode criar
sua própria página web e divulgar suas idéias ou acessar as de outros, visto
que não é preciso ter uma editora para publicá-las. No entanto, para desvendar
esse conhecimento, dialogar com ele e não simplesmente deixar-se invadir ou
inundar por tal fluxo informativo, exigem-se maiores capacidades ou
competências cognitivas dos leitores dessas novas fontes de informação, cujo
principal veículo continua sendo a palavra escrita, embora não seja mais
impressa. Mas – aviso aos navegantes! – não se trata apenas de aprender a
navegar pela internet para não “naufragar” de vez; é preciso considerar também
que a construção do próprio olhar ou da leitura crítica de uma informação tão desorganizada
e difusa requer do leitor ou do navegante novas competências cognitivas.
Graças a essas novas tecnologias da informação, a escola, em nossa
sociedade, já não é a primeira fonte de conhecimento para os alunos e, às
vezes, nem mesmo a principal, em muitos âmbitos. As “primícias” informativas
reservadas à escola hoje são muito poucas. Dado que a escola já não pode
proporcionar toda a informação relevante, porque esta é muito mais volátil e
flexível que a própria escola, o que se pode fazer é formar os alunos para terem
acesso e darem sentido à informação, proporcionando-lhes capacidades de
aprendizagem que lhes permitam uma assimilação crítica da informação (Pozo e
Postigo,2000). Formar cidadãos para uma sociedade aberta e democrática, para
aquilo que Morin (2001) chama de democracia cognitiva, e, mais ainda, formá-los
para abrir e democratizar a sociedade requer dotá-los de capacidades de
aprendizagem, de modos de pensamento que lhes permitam utilizar
estrategicamente a informação que recebem, para que possam converter essa
informação – que flui de maneira caótica em muitos espaços sociais – em
conhecimento verdadeiro, em um saber ordenado. Vivemos em uma sociedade da
informação que só se converte em uma verdadeira sociedade do conhecimento para
alguns, aqueles que puderam ter acesso às capacidades que permitem desentranhar
e ordenar essa informação (Pozo, 2003).
Como
conseqüência dessa multiplicação informativa, bem como de mudanças culturais
mais profundas, experimentamos uma crescente incerteza intelectual e pessoal.
Não existem mais saberes ou pontos de vista absolutos que se devam assumir como
futuros cidadãos; a verdade é coisa do passado, mais que do presente ou do
futuro, um conceito que faz parte de nossa tradição cultural (Pozo, 2003) e que,
portanto, está presente em nossa cultura da aprendizagem, mas que, sem dúvida,
é preciso repensar nessa nova cultura da aprendizagem, sem, com isso, cair
necessariamente em um relativismo extremo. Vivemos na era da incerteza (Morin,
2001), na qual, mais do que aprender verdades estabelecidas e indiscutíveis, é
necessário aprender a conviver com a diversidade de perspectivas, com a
relatividade das teorias, com a existência de múltiplas interpretações de toda
informação, para construir, a partir delas, o próprio juízo ou ponto de vista.
Ao que parece, a literatura, a arte e, menos ainda, a ciência não estão
assumindo uma postura realista, segundo a qual o conhecimento ou a
representação artística devem refletir a realidade, mas tratam de
reinterpretá-la ou reconstruí-la. Não cabe mais à educação proporcionar aos
alunos conhecimentos como se fossem verdades acabadas; ao contrário, ela deve
ajudá-los a construir seu próprio ponto de vista, sua verdade particular a
partir de tantas verdades parciais. Ou, como diz Morin (2001, p. 76), “conhecer
e pensar não significa chegar à verdade absolutamente certa, mas sim dialogar
com a incerteza”. Sem dúvida, isso requer mudar nossas crenças ou teorias
implícitas sobre a aprendizagem (Pozo e Pérez Echeverría, 2001), profundamente
arraigadas em uma tradição cultural em que aprender significava repetir e
assumir as verdades estabelecidas que o aluno – e tampouco o professor! – não
podia pôr em dúvida e, muito menos, dialogar com elas.
Entretanto,
muitos conhecimentos que podem ser proporcionados aos alunos atualmente não
apenas deixaram de ser verdades absolutas em si mesmas, saberes
insubstituíveis, como passaram a ter data de validade, do mesmo modo que
qualquer outro alimento acondicionado (nesse caso cognitivo), pronto para o
consumo (Monereo e Pozo, 2001). No ritmo da mudança tecnológica e científica em
que vivemos, ninguém pode prever quais os conhecimentos específicos que os
cidadãos precisarão dominar dentro de 10 ou 15 anos para poder enfrentar as
demandas sociais que lhes sejam colocadas. O sistema educacional não pode
formar especificamente para cada uma dessas necessidades; porém, pode formar os
futuros cidadãos para que sejam aprendizes mais flexíveis, eficazes e
autônomos, dotando-os de estratégias de aprendizagem adequadas, fazendo deles
pessoas capazes de enfrentar novas e imprevisíveis demandas de aprendizagem (Pozo
e Postigo, 2000).
O
ensino de novas competências para a gestão do conhecimento
Uma das metas essenciais da educação, para poder atender às
exigências dessa nova sociedade da aprendizagem, seria, portanto, fomentar nos
alunos capacidades de gestão do conhecimento ou, se preferirmos, de gestão
metacognitiva, já que, para além da aquisição de conhecimentos pontuais
concretos, esse é o único meio de ajudá-los a
enfrentar as tarefas e os desafios que os aguardam na sociedade do
conhecimento. Além de muitas outras competências interpessoais, afetivas e
sociais (ver, por exemplo, Monereo e Pozo, 2001), a nova cultura da
aprendizagem requer, no mínimo, ensinar aos alunos, a partir das diferentes
áreas do currículo, cinco tipos de capacidades para a gestão metacognitiva do
conhecimento (amplamente explicadas em Pozo e Postigo, 2000):
•• Competências para a aquisição de informação.
•• Competências para a interpretação da informação.
•• Competências para a análise da informação.
•• Competências para a compreensão da informação.
•• Competências para a comunicação da informação.
Todavia, mudar as formas de aprender dos alunos requer também
mudar as formas de ensinar de seus professores. Por isso, a nova cultura da
aprendizagem exige um novo perfil de aluno e de professor, exige novas funções
discentes e docentes, as quais só se tornarão possíveis se houver uma mudança
de mentalidade, uma mudança nas concepções profundamente arraigadas de uns e de
outros sobre a aprendizagem e o ensino para encarar essa nova cultura da
aprendizagem (Pozo e Pérez Echeverría, 2001).
Embora se diga que vivemos em uma sociedade do conhecimento, o
acesso a esse conhecimento culturalmente gerado não é fácil, como mostram as
crises permanentes vividas por nossos sistemas educacionais, às voltas com
demandas cada vez maiores de alfabetização – isto é, de universalização de
sistemas culturais de representação e conhecimento – não apenas escrita e numérica,
mas também científica, artística, econômica, etc. Nesse sentido, o valor
crescente do conhecimento, assim como sua gestão social em nossa sociedade,
deveria revalorizar a importância dos processos de aprendizagem ou de aquisição
de conhecimento, já que constituem uma das ferramentas mais poderosas para
essas novas formas de gestão social do conhecimento. Quem não pode ter acesso
às múltiplas formas culturais de representação simbólica socialmente
construídas (numéricas, artísticas, científicas, gráficas, etc.) está
socialmente, economicamente e culturalmente empobrecido. Em suma, na sociedade
da aprendizagem, converter esses sistemas culturais de representação em
instrumentos de conhecimento – fazer um uso epistêmico deles – requer
apropriar-se de novas formas de aprender e de relacionar-se com o conhecimento.
Esse é um dos maiores desafios a ser enfrentados por nossos
sistemas educacionais nas próximas décadas.
Referências
Bibliográficas
MONEREO, C.; POZO, J.I. En qué siglo vive la escuela?: el reto de
La nueva cultura educativa. Cuadernos de Pegagogía, n. 298, p. 50-55, 2001.
MORIN, E. La mente bien ordenada: repensar la reforma, reformar El
pensamiento. Barcelona : Seix Barral, 2001.
OLSON, D. The world on paper. Cambridge:
Cambridge University Press, 1994.
POZO, J.I.Humana mente: el mundo, la conciencia y la carne.
Madrid: Mor,ata, 2001.
____. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
____. Adquisición de conocimiento: cuando la carne se hace verbo. Madrid:
Morata, 2003.
____.; PÉREZ ECHEVERRÍA, M.P. As concepções dos professores sobre a
aprendizagem: rumo a uma nova cultura educacional. Pátio – Revista Pedagógica,
n. 16, p. 19-23, 2001.
____.; POSTIGO, Y. Los procedimientos como contenidos escolares:
uso estratégico de La información. Barcelona: Edebé, 2000.
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