terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Pílulas Robóticas

Uma viagem pelo corpo humano não é mais mera fantasia. Pequenos aparelhos logo poderão realizar cirurgias, administrar medicamentos e ajudar no diagnóstico de doenças


O filme VIAGEM FANTÁSTICA, a história de uma equipe de médicos miniaturizados percorrendo vasos sanguíneos para fazer operações salvadoras no cérebro de seus pacientes, era pura ficção científica quando foi lançado em 1966. Quando Hollywood o refilmou em 1985, como a comédia Viagem insólita, engenheiros do mundo real já haviam começado a construção de protótipos de robôs do tamanho de pílulas para viajar pelo trato gastrointestinal de um paciente em substituição do exame médico tradicional. As primeiras câmaras em cápsulas começaram a ser usadas em 2000, e desde então os médicos as têm utilizado para obter imagens de locais como as dobras internas do intestino delgado, difíceis de alcançar sem cirurgia.

Um aspecto importante de Viagem fantástica que se manteve como fantasia é a noção de que essas pílulas pudessem manobrar sozinhas, nadando em direção a um tumor para fazer uma biópsia, verificando uma inflamação intestinal ou mesmo administrando tratamento para uma úlcera. Nos últimos anos, no entanto, os pesquisadores fizeram progressos no sentido de converter os elementos básicos de uma câmara encapsulada passiva em um robô ativo em miniatura. Protótipos avançados, hoje testados em animais, têm pernas, propulsores, lentes sofisticadas e sistemas de controle sem fio. Em breve, esses pequenos robôs poderão estar prontos para os testes clínicos. Neste momento, avaliam-se os limites da robótica miniaturizada.

O trato digestivo é a fronteira inicial. A primeira câmara em pílula sem fio, a M2A, lançada em 1999 pela companhia israelense Given Imaging, e modelos subsequentes demonstraram a utilidade do exame do sistema gastrointestinal com um aparelho sem fi o. Essa prática, conhecida como cápsula endoscópica, é agora de forma rotineira usada na medicina. Infelizmente, a falta de controle humano dessas câmaras leva a uma alta taxa de falsos negativos – elas não captam áreas problemáticas, o que é inaceitável para uma ferramenta de diagnóstico. Se o propósito de observar o interior do corpo é procurar doenças ou analisar mais de perto uma suspeita de problema, um médico quer acima de tudo parar a câmara e manobrá-la para inspecionar uma região que lhe interesse.

Transformar uma cápsula passiva em um aparelho mais confiável para um exame gastrointestinal requer a adição de apêndices móveis, ou atuadores, para impulsioná-la pelo corpo ou atuar como ferramentas para manipular os tecidos. A operação dessas partes móveis exige uma transmissão veloz e sem fi o de imagens e instruções. As pílulas devem se tornar pequenos robôs capazes de responder rapidamente às ordens do técnico. Todos esses componentes precisam de energia suficiente para completar suas tarefas durante uma jornada que pode levar até 12 horas. E tudo isso deve caber em um recipiente de 2 cm3 que um paciente possa engolir.

No mesmo ano em que a M2A estreou, o Intelligent Microsystem Center (IMC), em Seul, na Coreia do Sul, iniciou um projeto de dez anos para desenvolver uma nova geração de cápsulas endoscópicas com características avançadas. Essas pílulas robóticas teriam sensores integrados e uma fonte de luz para imagens, além de mecanismos para administrar medicamentos e fazer biópsias. E teriam a capacidade de se mover, sob o controle remoto de um endoscopista. Desde 2000, mais empresas e grupos de pesquisa entraram nesse campo. Por exemplo, 18 equipes européias formaram um consórcio com a IMC para desenvolver robôs capsulados para detecção e tratamento do câncer. Nosso grupo da Scuola Superiore Sant’Anna, em Pisa, na Itália, com a orientação e supervisão médica de Marc O. Schurr, da empresa Novineon, Tübingen, na Alemanha, ficou com a coordenação técnica e científica do projeto, chamado Vector, de uma cápsula endoscópica versátil para o reconhecimento e tratamento de tumores gastrointestinais.

Esses grupos acadêmicos e industriais trouxeram muitas idéias inovadoras. Propuseram várias soluções: como controlar o movimento de aparatos em cápsulas dentro do corpo. A maior parte deles usa uma entre duas abordagens fundamentais.

A primeira implica o direcionamento do movimento da pílula com atuadores integrados – partes móveis como pás, pernas, propulsores ou apêndices similares integrados ao seu revestimento e capazes de ser usados no interior do trato digestivo. Os atuadores, movidos por motores em miniatura, são normalmente utilizados para direcionar os movimentos da cápsula, mas em alguns desenhos pernas também podem mover o tecido ao redor da cápsula, para visualizar melhor alguma coisa ou ajudá-la a passar por uma região mais estreita do intestino. A maioria dos mecanismos motores e atuadores, como engrenagens, é muito grande se comparada ao volume total de uma cápsula, o que torna a incorporação de outras partes essenciais – o sensor de imagens ou um módulo terapêutico como uma ferramenta de biópsia – desafiadora. Além disso, para distender o tecido uma cápsula precisa exercer uma força significativa – equivalente a 10 ou 20 vezes o seu peso. O esforço requer um trabalho maior dos motores, o que consome muita energia aproximadamente meio watt). Essa drenagem pressiona a capacidade da bateria, e limita o tempo de operação desses aparelhos.

Para economizar a bateria, a melhor saída pode ser o uso dos atuadores apenas para propulsão e outras formas de afastar os tecidos. Fazer um paciente ingerir meio litro de líquido antes de engolir uma cápsula, por exemplo, deixaria o estômago distendido por até 20 minutos antes que o fluido descesse para o intestino delgado. Nesse tempo, a pílula poderia examinar a estrutura do órgão.

Apesar de o uso de ímãs na orientação de uma cápsula endoscópica ser simples, o controle preciso com eles é muito difícil. Os campos magnéticos perdem força com a distância e a geometria irregular do intestino. Mudanças bruscas na força do campo podem fazer a cápsula desorientar-se ou que se perca totalmente o controle sobre ela. Na prática, essa instabilidade pode fazer o operador perder contato irreversivelmente. É possível compensar com a adição de mais ímãs, que dariam maior controle e estabilidade, mas para isso seria necessária uma complexa configuração das bobinas magnéticas.

HÍBRIDOS SOB MEDIDA

À LUZ DAS LIMITAÇÕES DAS ABORDAGENS interna e externa do controle dos movimentos da cápsula, acreditamos ser necessária uma combinação desses dois métodos para encontrar uma solução confortável para o paciente que ofereça um diagnóstico confiável. A locomoção por meio do magnetismo é adequada para dar um direcionamento geral dentro do intestino; atuadores em formato de pernas são úteis para mudar de posição ou manobrar para obter uma visão melhor.
 
Nosso grupo de pesquisa desenhou uma dessas cápsulas híbridas com quatro pernas motorizadas e a testou em um porco, cujos intestinos têm as mesmas dimensões dos humanos. As pernas ficam fechadas enquanto a cápsula está sendo ingerida e durante a maior parte de seu trajeto pelo trato digestivo. Um gerador de campo magnético externo, próximo ao abdome, guia a cápsula adiante. Quando chega a um segmento mais estreito do intestino, ela afasta o tecido ao redor usando suas pernas, que a movem para a frente pela abertura criada.

Na maioria da área dos intestinos grosso e delgado, um sistema híbrido de delocamento daria aos médicos os controles de que eles necessitam para uma inspeção visual pormenorizada. Diferentes situações demandam soluções inovadoras. O projeto Vector, por exemplo, desenvolveu três conceitos de cápsulas apenas para o intestino delgado: a primeira é uma pílula com câmara passiva para a visualização normal; a segunda, uma cápsula diagnóstica com locomoção ativa e imagem espectroscópica que pode detectar anormalidades sob a superfície do tecido. O mesmo sensor espectroscópico é incorporado na terceira cápsula planejada pelo Vector, que traria também uma ferramenta de biópsia capaz de retirar uma amostra de tecido e guardá-la dentro da cápsula para ser retirada posteriormente.

A capacidade de fazer biópsias e outras ações terapêuticas mais complexas como procedimentos cirúrgicos tornaria os robôs endoscópicos ferramentas médicas ainda mais poderosas. Mas problemas críticos como o suprimento de energia, restrições de espaço e limite de força tornam ações terapêuticas mais ambiciosas que requeiram movimentos complexos e atuadores múltiplos impossíveis de conseguir com uma única pílula de 2 cm3.

Por essas razões, estamos trabalhando em um conceito avançado: robôs-cirurgiões que se configuram dentro do corpo. Deve funcionar assim: o paciente beberia um fluido para distender seu estômago e engoliria de 10 a 15 pílulas. Cada uma seria um componente miniaturizado com ímãs nas extremidades. Uma vez dentro do estômago, os pedaços se montariam rapidamente na configuração desejada e o cirurgião usaria o robô recém-armado como uma ferramenta remotamente controlada que possa operar sem a necessidade de fazer uma única incisão do lado de fora do corpo.

Componentes robóticos miniaturizados podem eventualmente ser usados por todo o corpo para vários propósitos. Sistemas de orientação e sensores de câmaras desenvolvidos para as cápsulas endoscópicas já estão influenciando as tecnologias biomédicas relacionadas, como as versões mais novas das ferramentas tradicionais para endoscopias e laparoscopias. Além do uso medicinal, essas tecnologias são parte de uma ampla tendência de robótica miniaturizada e remotamente controlada. Robôs em cápsulas sem dúvida terão influência nas máquinas robotizadas no mundo lá fora.

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